sexta-feira, 18 de abril de 2008

18 de abril - Texto do Prof. Ramayana Vargens

(Recebido via e-mail)

"O SUPORTE INOPORTUNO DO PORTO INSEGURO
(Um desabafo aberto ao presidente)

Ramayana Vargens
Louvável a iniciativa da deputada Ângela Souza ao articular uma reunião ampla sobre o complexo porto sul. Coerente o empenho do governo do estado ao mandar uma representação de primeiro escalão. No entanto, frustração foi o sentimento que ficou no ar, após mais um encontro em que o governo estadual não apresentou dados concretos e convincentes sobre a adequação do local escolhido para a implantação do projeto intermodal.

A exposição apresentada pelo governo limitou-se à repetição de diretrizes e metas de seu planejamento estratégico para o futuro, onde aparece o porto sul como peça central do desenvolvimento econômico pensado para o país, a Bahia e a região. Mais uma vez, ouviu-se, apenas, a defesa política do projeto baseada nas possíveis vantagens financeiras que o empreendimento poderá trazer. Mas ficaram faltando informações precisas sobre como será construído e operado o complexo. Os benefícios sociais e a viabilidade ambiental da grande obra ainda continuam sendo garantidos somente por palavras entusiasmadas e promessas de redenção e prosperidade. É muito pouco.

Ao adotar esse tipo de discurso, o governo baiano propicia um clima de antagonismo no qual qualquer questionamento sobre o porto tende a ser visto como uma manifestação contra o progresso e o desenvolvimento. Intencional, ou não, eis aí uma armadilha: polarizar o debate entre posições emocionais contra ou a favor. Deve ficar claro que, desde o início da mobilização para se debater o assunto, a única posição que unifica os diversos segmentos da comunidade regional tem sido a questão da localização apontada para o porto (considerada inadequada e desastrosa). Continuar o foco do debate no valor estratégico e econômico do porto é uma redundância que desvia a atenção do centro vital da questão: o impacto danoso e irreversível ao qual a região estará sujeita.

Não somos contra o porto sul. Não coloquem essa fala na voz dos que lutam em defesa de um raro pedaço de natureza (protegido por lei) e que foi vocacionado pelo próprio estado para outros tipos de ocupação e usufruto. Tudo bem, que venha o porto e sua infra pesada – mas em outro lugar. A área da reserva entre Ilhéus-Itacaré é a menos indicada para um empreendimento desse porte. Quem discorda, que nos prove o contrário.

Queremos conhecer quais os dados técnicos, os estudos científicos, os levantamentos de campo, as projeções, os ensaios de laboratório, enfim todas as informações que costumam calçar propostas que representem uma interferência drástica e devastadora no meio ambiente. Sustentar o porto sul apenas com palavras é insuficiente. Não há discurso de ufanismo desenvolvimentista que suporte a tese de que o empreendimento não trará danos sociais e ambientais para a região. É leviandade afirmar o contrário.

Se alguém for escrever a história do fracasso do progresso no Brasil, certamente, teria muito que contar sobre as obras faraônicas e redentoras que redundaram em vergonhoso desperdício mal sucedido. Ferrovias, estradas fabulosas e projetos grandiosos de mineração não faltariam como exemplos. Acenar com vantagens materiais para justificar a instalação de infra-estrutura pesada para dinamizar a mineração e facilitar o escoamento da produção é uma história antiga no país que, infelizmente, nem sempre teve um final feliz. Vale lembrar: a triste Madeira – Mamoré (a “ferrovia da morte”); a Transamazônica; o projeto Jarí; o ouro de Serra Pelada; os quilômetros de trilhos abandonados pelo país; os portos inacabados etc.

Vivemos, hoje, um momento de expectativa e insegurança em relação ao nosso futuro. Desejamos que o governo democrático da Bahia promova, verdadeiramente, um diálogo produtivo onde se possa chegar ao entendimento a partir de constatações seguras e análises confiáveis, cientificamente comprovadas. Não é oportuno continuar embalando as dúvidas que o porto suscita tão somente com afirmativas soltas de que tudo se justifica pelo crescimento econômico a ser alcançado. Um porto ligado a um complexo de tal envergadura necessita de um suporte muito mais firme como fundamentação.

Sou eleitor do governador Jaques Wagner. Filiado ao PT. E confio na doutrina do partido que escolhi. Entendo as dificuldades que existem, na prática, para a implementação de medidas que consolidem a etapa de transformações positivas e decisivas que o país atravessa. Mas, em nome do progresso, não podemos cometer equívocos tão grosseiros como destruir um pedaço precioso da natureza que sobrou no trecho Ilhéus-Itacaré.

Por isso, na humildade de minha fé nordestina, invoco um poder supremo para apadrinhar uma causa tão justa e cristã (como João Grilo, do “Auto da Compadecida”, fez ao solicitar a ajuda de Nossa Senhora quando foi julgado no céu). Conclamo o presidente do Brasil para ser o patrono de nosso pleito de preservação e respeito à nossa identidade regional.

Conheci o presidente, no início dos anos 80, quando eu atuava como repórter na Amazônia. Tivemos a oportunidade de viajar juntos, na carroceria empoeirada de um caminhão, que cruzava um esburacado e lamacento caminho na selva, em direção à fronteira da Bolívia. Nosso destino era a cidade de Brasiléia, onde um líder seringueiro (Wilson Pinheiro) tinha sido assassinado por defender a mata contra a destruição patrocinada pelos especuladores. Na região, onde mais tarde também seria morto Chico Mendes, o jovem Lula fez um dos seus mais brilhantes e empolgantes discursos em defesa da vida e da floresta.

É esse o Lula que eu gostaria que conhecesse as matas do Conduru, antes de qualquer decisão sobre a nossa região. Um presidente assim, tenho certeza, não se deixará enganar pelo visão fria e insensível dos tecnocratas que consideram apenas as cifras como vetores válidos para o “desenvolvimento”.

Para completar, um poema de Drummond:

"Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente,nasci em Itabira.
Por isso sou triste,orgulhoso,de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamentodo que na vida é porosidade e comunicação
A imagem assusta.
Ruas cinzentas.
Casas desbotadas,sem cores vivas.
Janelas fechadas.
As crianças não brincam na pracinha.
As pessoas acumulando nos pulmões ( e nas almas)
o mesmo pó negro que se amontoa a céu aberto.
Gente triste-sem vontade de falar.
Vida sombria."


"Será esse o futuro que desejamos para a região? São Drummond que nos proteja!!!"

Um comentário:

Emílio Gusmão disse...

Olá Gil.

O seu blog já está na lista de indicações do Blog do Gusmão.
Um abraço!